Notícias

Como a revolução da internet mudou o jeito de criar filhos nas últimas décadas

Dos blogs de maternidade a mães e pais influenciadores, apresentamos um recorte de como a internet, que está presente em 80% dos lares brasileiros, revolucionou a criação dos filhos de diversas maneiras

Veja uma lista de aplicativos gratuitos que ajudam o dia a dia das famílias, disponíveis para Android e iOSopularização dos blogs de mães. Na época, já se discutiam tópicos como segurança e superexposição, mas a maior preocupação com as telas ainda era relacionada ao número de horas que as crianças assistiam à TV. Com a chegada dos smartphones ao país, em 2009, mais pessoas se conectaram à internet e alavancaram as redes sociais. As blogueiras deram espaço aos influenciadores. E assim como a internet interferiu no nosso jeito de trabalhar, conversar, consumir e estudar, a rede mundial de computadores, como era chamada no início, impactou também a maneira como criamos nossos filhos.

Atualmente, de acordo com a pesquisa Mães, Influência & Consumo, realizada pela Youpper - Consumer & Media Insights no primeiro semestre de 2023, com 720 pessoas, 90% delas pesquisam informações sobre experiências reais que envolvam o universo maternal na internet. Além disso, as mulheres fazem 97% mais buscas ao descobrir que estão grávidas. “Temos uma mãe mais exigente e consciente sobre o que consome online. Antes de comprar ou se relacionar com uma pessoa ou marca, ela quer saber se as mesmas estão de acordo com seus valores”, afirma Diego Oliveira, CEO da Youpper. Em resumo, segundo Oliveira, ela não é apenas influenciada, como também influencia.

Essa também é a teoria da jornalista norte-americana Sara Petersen, que mergulhou no universo das mães influenciadoras para escrever Momfluenced - Inside the Maddening, Picture-Perfect World of Mommy Influencer Culture (“Mãefluenciada – por dentro do mundo enlouquecedor e perfeitamente retratado da cultura da mãe influenciadora”, em livre tradução do inglês), da Editora Beacon Press (US$ 52), recém-lançado nos Estados Unidos. O título é uma referência ao termo momfluencer, que não existe em português, e designa as mães influenciadoras. Para Sara, mesmo que você não seja uma influenciadora profissional – ou seja, alguém que comercializa um estilo de vida ou uma identidade –, se tem um perfil nas redes sociais, também faz parte do movimento. “Você está fazendo escolhas intencionais sobre o que compartilhar ou não, e quais dos seus valores maternais ou estilos quer destacar”, alega a jornalista, em entrevista exclusiva à CRESCER.

O que, segundo a autora, não é exatamente negativo, uma vez que isso dá às mães a oportunidade de fazer uma curadoria de sua versão da maternidade. “Por séculos, a construção social da maternidade esteve nas mãos dos homens brancos no poder. Ao contar nossas próprias histórias, rompemos com a ideia de que existe apenas um jeito certo de ser mãe. Quanto mais diversas as histórias que consumimos, menos dependentes nos tornamos de uma narrativa materna opressiva e de ‘tamanho único'", conclui.

Democratização da informação

Sabemos que procurar respostas para lidar com o desconhecido faz parte da história da humanidade, e nasceu bem antes dos sites de busca. No caso da criação dos filhos, até pouco tempo, a fonte eram pessoas próximas dos novos pais, como familiares, amigos e vizinhos. E talvez um ou outro livro sobre educação.

Quando a filha mais velha da gestora comercial Malu Ferreira, 46 anos, tinha apenas dois meses, ela, a filha e o marido se mudaram para o Japão. Os itens que compuseram a parca bagagem permitida pela companhia aérea foram escolhidos com critério, entre eles o clássico A Vida do Bebê, livro do pediatra Rinaldo Lamare. “Era pesado, mas foi a solução que encontrei. Seguia as dicas à risca”, recorda-se Malu, que é mãe de Thabata, 26, e Luara, 2. “Uma das recomendações que lembro era incluir leite na sopa do bebê. O que seria impensável hoje, já que a minha caçula é intolerante à lactose”, completa. De volta ao país há alguns anos, além de se casar novamente e ter mais uma filha, Malu trocou o livro de Lamare por dicas e receitas de nutricionistas e de outras mães no Instagram e no YouTube – mas primeiro de tudo, claro, seguindo as informações do pediatra.

A psicóloga Fabiana Vasconcelos, do Instituto Dimicuida (CE), que promove o uso consciente da internet entre crianças e adolescentes e oferece cursos de educação digital para pais e educadores, destaca a importância das redes de apoio virtuais. “Trinta anos atrás, a gente apenas acatava o que era dito, normalmente pela família. Hoje, porém, podemos contar com mais de uma opinião”, diz. Como exemplo, ela cita os marcos do desenvolvimento infantil. “Se eu desconfiar que meu filho está atrasado em relação a algum deles, posso aprender a lidar com o problema ao ler que isso também acontece com outras crianças”, acrescenta. O que, sem dúvida, acalma o coração de qualquer mãe e pai também.

Influenciar outros pais de maneira positiva é o único motivo, aliás, pelo qual o apresentador Marcos Mion, 44, diz postar alguns momentos em família no Instagram, onde tem 20,8 milhões de seguidores. “Dezoito anos atrás, quando comecei a conviver com o autismo [com a chegada do primogênito, Romeo], eu não tinha um lugar de tão fácil acesso e com conteúdo tão bom para me informar, inspirar e preparar. Esse é o exemplo mais evidente, mas todos os posts que faço com minha família vêm com alguma mensagem que possa, de fato, fazer sentido para quem me acompanha nas redes”, afirma o pai de Romeo, 18, Donatella, 15, e Stefano, 13.

Para a educadora parental Maya Eigenmann, autora de A Raiva não Educa, A Calma Educa (Editora Astral Cultural), a democratização do conhecimento é um benefício incalculável à sociedade como um todo. “Ainda que nem todas as informações sejam 100% corretas, percebo uma mudança de mentalidade e um trabalho de desconstrução coletiva”, afirma, referindo-se às transformações vividas por mães e pais nos últimos anos.

Sem precedentes

Se os smartphones facilitaram o acesso à internet da população de modo geral, a pandemia da covid-19 praticamente obrigou quem ainda estava de fora a se conectar. Após a adoção de medidas de isolamento social, a taxa de lares conectados atingiu o pico de 83% em 2020, segundo a pesquisa TIC Domicílios, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Já em 2022, o número caiu para 80%.

Não por acaso, esse foi o período de maior audiência e engajamento do grupo Mamis na Madrugada, como ressalta uma das fundadoras, a psicóloga Vanessa Abdo Benaderet, 43, mãe de Laura, 12, e Rafael, 10. Ela explica o motivo da escolha do nome tão peculiar. “A maternidade moderna é solitária. Antes, a gente tinha a proximidade da família e da comunidade, pois as cidades eram menores. Escolhemos esse nome para o grupo porque a madrugada, quando geralmente estamos amamentando, é o momento de maior solidão. Então, nos demos conta de que poderíamos conversar umas com as outras pela internet, e começamos a perceber que somos muitas”, conta. Criado há dez anos como uma comunidade no Facebook, o Mamis na Madrugada rapidamente se tornou uma empresa de produção de conteúdo e curadoria de produtos e eventos voltados para mães, da qual Vanessa é CEO.

A internet trouxe diversos benefícios, sem dúvida, para pais e mães enquanto profissionais, como o trabalho remoto, jornadas mais flexíveis e até mesmo a chance de empreender, conforme destaca Camila Antunes, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo e colunista da CRESCER. E não é de hoje. “Aqueles que estão na faixa dos 40 anos, como eu, não sofreram os impactos da geração anterior, que entrou no mercado de trabalho antes da internet. Entretanto, a covid-19 acelerou mudanças sem precedentes nas relações de trabalho”, pontua Camila. Tanto que uma pesquisa realizada pela Filhos no Currículo com 825 profissionais com filhos em 2020 mostrou que 60% deles gostariam de aumentar a prática do home office após a pandemia.

Claro que nem tudo são flores. Se, por um lado, o trabalho remoto nos permite almoçar com a família com mais frequência, por outro, tanto as empresas quanto os empregados e empreendedores têm dificuldade de estabelecer os limites entre a vida pessoal e profissional. Afinal, estamos conectados o tempo todo. Alguém mais se identifica?

Ainda assim, Camila é otimista. “Minha empresa existe desde antes da pandemia, mas, até então, pouco se falava sobre parentalidade nas organizações. Agora virou um assunto urgente. Depois que você viu um filho numa reunião online, não tem como desver”, conclui.

80% dos lares brasileiros estão conectados à internet, ao passo que 90% das mães pesquisam informações sobre experiências reais que envolvam o universo maternal
— TIC Domicílios - NIC.br; Youpper

Pequenos e grandes vulneráveis

As crianças também estão no centro do debate, ou deveriam estar, quando falamos de segurança online. Qual o tempo de tela ideal? Como controlar o que meus filhos acessam? O que caracteriza o cyberbullying? Essas são algumas das perguntas que a CRESCER vem respondendo ao longo dos últimos anos, à medida que os pequenos passaram a usar mais a internet, e cada vez mais cedo. De acordo com a pesquisa TIC Kids, também do NIC.br, 24% das crianças acessam a internet antes dos 6 anos. Em 2015, a proporção era de 11%. Toda essa preocupação tem razão de ser.

“Os riscos que as crianças enfrentam na internet hoje são muitos, entre eles a exposição a conteúdos inadequados, cyberbullying, contato com estranhos, vazamento de dados pessoais, dependência tecnológica e até mesmo problemas mentais causados pela sobrecarga de acesso a informações que não têm maturidade cognitiva e emocional para lidar”, explica o professor Ygor Corrêa, ph.D. em interação humano-tecnologia e coordenador do Curso de Especialização em Dependências Tecnológicas promovido pela Universidade de Caxias do Sul (RS).

A professora Chiara de Teffé, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (RJ), chama a atenção para outro ponto. “Existe hoje um debate sobre proibir ou não o celular das crianças na escola, por exemplo, da qual a própria Unesco participa. Estamos preocupados porque as telas estão prejudicando a concentração dos alunos, mas os adultos também são afetados”, alerta. Para esses dilemas, não existem respostas prontas. “Se as grandes instituições estão em dúvida, imagina os pais. No entanto, o ‘básico’ bem-feito já faz diferença. Isso significa aprender a usar as tecnologias com um olhar crítico, especialmente com o avanço da inteligência artificial e do metaverso, e equilibrar o seu uso com outras atividades”, diz. E isso vale para toda a família.

Até porque os adultos também correm riscos na internet, você sabe. Aqui vamos focar nos emocionais. Um estudo feito em 2021 com cerca de 250 mulheres, na gravidez e quatro meses após o parto, pela Universidade de Leipzig, na Alemanha, mostrou que existe uma associação direta entre a insatisfação com o corpo e o uso das redes sociais. Mais uma razão para filtrar o que consumimos online.

“Existem, sim, espaços virtuais de troca e acolhimento que geram pertencimento. Precisamos estar atentas, entretanto, para que os conteúdos não se tornem uma grande prescrição de como ser mãe”, constata Luisa Pesce, mestre e doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estudou os blogs de mães e as mães influenciadoras em suas teses de mestrado e doutorado, respectivamente. O perigo, de acordo com Luisa, é deixar as mães ansiosas e com a sensação de que estão em dívida com os filhos e consigo mesmas.

Por sorte, cada vez mais, vemos que mães perfeitas estão dando lugar a mães reais. A criadora de conteúdo digital Andressa Reis, 37, mãe de Pedro, Maria Antônia, 5, e Caetano, 3, tornou-se influenciadora de maneira orgânica, nas palavras dela. “Na pandemia, eu e meu companheiro estávamos desempregados e com dois bebês em casa. Nossos relatos e vídeos, apesar do humor, eram uma espécie de grito por socorro e também um abraço em quem estava vivendo algo parecido”, relembra Andressa, que tem 443 mil seguidores no Instagram.

Ela conta que só se envolve comercialmente com marcas que já testou e com as quais se identifica, e que também escolheu o caminho da maternidade real nas redes por acaso. “Eu gosto de pensar que toda maternidade é real. Umas com mais privilégios, outras com menos e muitas outras com quase nenhum. Por algum tempo, fiz parte dessa realidade de poucos recursos e resolvi que não havia outra forma de mostrá-la que não fosse de maneira honesta e bem-humorada. O humor traz leveza a temas delicados e conecta a audiência”, justifica.

Não podemos esquecer, então, que as redes sociais são apenas um recorte da vida, e que o conceito de parentalidade envolve maternidades e paternidades diversas. Como alerta a psicóloga Fabiana, do Dimicuida (CE), “os algoritmos digitais nos mantêm em bolhas e, muitas vezes, tendemos a acreditar que aquela é uma realidade única”.

Revista Crescer

----------------------
Receba GRATUITAMENTE nossas NOTÍCIAS! CLIQUE AQUI
----------------------

Envie sua sugestão de conteúdo para a redação:
Whatsapp Business PORTAL SMO NOTÍCIAS (49) 9.9979-0446 / (49) 3621-4806

Cotações

Clima

Terça
Máxima 16º - Mínima 6º
Céu nublado

Quarta
Máxima 21º - Mínima 8º
Períodos nublados

Quinta
Máxima 23º - Mínima 9º
Períodos nublados

Sexta
Máxima 26º - Mínima 11º
Céu limpo

Sábado
Máxima 27º - Mínima 13º
Períodos nublados

Sobre os cookies: usamos cookies para personalizar anúncios e melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.