Você também tem essa impressão de que, em um estalar de dedos, tudo virou urgente? E quando eu escrevo tudo, é tudo mesmo. A gente já acorda correndo porque tem pressa para dar conta de tudo o que precisa em apenas um dia.
Tomar café demora muito, e as pendências do trabalho são mais urgentes do que sentar-se à mesa pela manhã. Se tiver fila no trânsito então, é aquela loucura.
Como assim, todas as pessoas deixam para sair de casa no mesmo horário e ficam atrapalhando o trânsito? Todos com urgência de chegar à algum lugar. Basta uma buzina soar que todos, no mesmo instante, começam a tocar a buzina dos seus carros também.
São muito urgentes os 59 emails esperando para serem abertos na caixa de entrada. Imagina deixar de ler algum, ou não responder agora mesmo, ou pensar antes de responder. Tudo tem que ser respondido para ontem.
Ao meio-dia, o tempo é curto demais para ir fazer uma refeição descente, então a gente come qualquer coisa mesmo, porque nessa correria toda, nem fome a gente tem. E esses 30 minutos desperdiçados conversando sobre outra coisa que não trabalho, vão custar muito caro depois. E a gente logo sai correndo porque o banco fecha às 15h e tem algumas contas para pagar. Mas chega lá e tem aquela fila enorme, porque você esqueceu que hoje é dia 10.
Minha nossa, tenho muita urgência na vida para ficar aqui parado esperando, volto outro dia para pagar o que eu não conseguir pagar pelo aplicativo. Imagina, perder tempo em filas de banco, supermercado, posto de gasolina, na fila do cinema. Cinema? Imagina que eu vou ficar quase 2h trancado em uma sala de cinema, vendo filme, com todas as milhares de coisas urgentes que eu tenho para resolver? Nem pensar. Talvez um dia eu vá com calma, hoje não posso.
Chegar em casa mais cedo para jantar também é tão difícil, porque antes de sair sempre tem um, ou dois, ou dez assuntos urgentes que ficaram para trás durante o dia, e as pessoas vieram cobrar para serem resolvidos ainda hoje. E quando a gente vê, já são 10h da noite e ainda não fomos para casa.
Imagina, sentar para brincar com meu filho, não posso. Tenho tanta coisa urgente para resolver! Afe, sem chance de parar um pouco. Meu Whats está cheio de mensagens e se eu não responder logo, eu perco esses clientes. E assim, seguimos a loucura dos dias urgentes.
Você também cansou só de ler esse texto? Porque eu cansei. Estou até mais angustiada aqui atrás da tela do computador pensando nas urgências que preciso resolver. Graças a Deus, eu ainda não vivo essa vida maluca de que tudo tem que ser resolvido ontem. E a etiqueta também nos ensina isso. É preciso frear a correria e dar valor ao que é real.
A pessoa que está na sua loja, esperando para ser atendida, saiu de casa para ir até você e, por isso, ela precisa ser atendida primeiro e com toda a atenção. Porque ela está na sua frente. O online, as mensagens do Whats, devem esperar.
Se você mandou mensagem para uma empresa esperando um orçamento urgente, porque precisa resolver isso para ontem, não esqueça que essa empresa também tem muitas coisas para resolver, demandas e clientes para atender e ele não deixou de responder porque não quis, não gosta de ti, ignorou a mensagem. É porque, realmente, ele não pode responder. A etiqueta fala que temos até 24 horas para responder um Whats. Então, se você está com tanta urgência assim, vá até a loja para saber o valor do produto que você quer comprar, e se ele está disponível.
Ah, mas a internet, o celular e as Redes Sociais vieram para facilitar a nossa vida. Sim, vieram. Desde que usado com bom senso e com muito respeito por quem está do outro lado da linha, da tela, do Whats, como você queira falar. Porque daqui a pouco, ir ao médico para tratar uma doença, vai ter que ser a sua ação mais urgente do dia. Sim, a gente precisa trabalhar, as coisas precisam ser resolvidas, mas um dia de cada vez. Porque as urgências deixam a gente estressado demais, cansado demais, ausente demais, exigente demais, e longe demais. E tudo isso, vai pesar na sua vida uma hora ou outra.
Que saudade de quando a gente parava para tomar um chimarrão de manhã antes de sair de casa, ou no fim da tarde depois do trabalho. De quando a gente ia pegar laranja embaixo do pé para comer depois do almoço. Sentava no sol para se esquentar em um dia de inverno, antes de ir trabalhar. Jogava conversa fora no domingo, porque o dia era tão longo, sem tantas urgências.
Cris Salvi
Jornalista, consultora e professora de etiqueta, com formação pela Escola Brasileira de Etiqueta de São Paulo.
